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Direta x Esquerda: a Revolução Francesa na origem da política contemporânea

  • Foto do escritor: Giovanni Paolo Ruffini
    Giovanni Paolo Ruffini
  • 25 de fev. de 2018
  • 9 min de leitura

Right x Left: the French Revolution in the origin of contemporary politics


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RUFFINI, G.P. Direta x Esquerda: a Revolução Francesa na origem da política contemporânea. Revista de Ciências Brasileiras, v. 1, p. 25-31, 2018.

Resumo

Com o advento dos acontecimentos que desencadearam a Revolução Francesa, os prognósticos acerca dos movimentos políticos passaram a apresentar uma modelagem diferenciada, independente da origem ou posicionamento, implantando-se uma nova perspectiva de construção política na sociedade. Diante do exposto, realizou-se este estudo com o objetivo de investigar bibliograficamente o contexto histórico e os aspectos sociais que construíram os conceitos políticos de direita e esquerda a partir da Revolução Francesa. A partir das informações coletadas, concluiu-se que a Revolução Francesa foi um marco importantíssimo para a formação da estrutura política contemporânea, podendo inclusive ser apontada como o modelo utilizado por grande parte dos países atuais, principalmente devido as diretrizes, conceitos e ideais que esta pôde deixar como legado. A Revolução Francesa é com toda certeza um dos assuntos mais abordados pelos historiadores, porém, pode (e deve) ser analisada por diversas perspectivas e abordagens, principalmente associando-a com a evolução ideológica e política contemporânea.

Palavras-chave: burguesia, gerondinos, jacobinos, política.


Abstract

From the events that unleashed the French Revolution, the prognoses about political movements began to present a different modelling, independent of origin or position, implanting a new perspective of political construction in the society. According of the above, this study aimed to investigate bibliographically the historical context and the social aspects that built the right and left political concepts from the French Revolution. From collected informations, it was concluded that the French Revolution was a very important event for the formation of contemporary political structure, may be pointed as the model used by most of the present countries due it legacy from guidelines, concepts and ideals. The French Revolution is certainly one of the subjects most approached by historians, but it can (and should) be analyzed by different perspectives, mainly associating with contemporary ideological and political evolution.

Keywords: bourgeoisie, girondins, jacobins, politics.


Introdução

A expressão “ideologia” surgiu durante a Revolução Francesa por um grupo de filósofos destacados, dentre os quais emerge, principalmente, Destutt de Tracy (ANTUNES, 1992). Na sua origem, ela designa “o estudo das ideias, enquanto factos individuais da consciência, derivados das sensações (REIS, 2000). Porém, no decurso do tempo, esta terminologia ganhou diversas interpretações.

Na verdade, a “ideologia” é um termo muito complexo e polissémico. Com efeito, ele possui “numerosos significados e conotações”, tais como: “decepção, distorção ou falsidade; sonho; consciência; crítica social; conjunto de conceitos; ideias e manipulação” (MACRIDES, 1982).

Neste contexto, não há como negar que na Ciência Política, mais especificamente no estudo das ideologias políticas, as terminologias direita e esquerda tem obtido destaque através dos tempos, e frequentemente são utilizadas enquanto norteadoras dos mais variados comportamento políticos, permanecendo assim vivas no imaginário social de especialistas e de grande parte do público leigo (SCHEEFFER, 2014).

O fato é que, politicamente, estamos acostumados com essa divisão linguística e ideológica. E que o debate acerca da pertinência do uso contemporâneo das classificações ideológicas é bem familiar a quem estuda a ciência política nacional e mundial (TAROUCO & MADEIRA, 2013).

Outrora, como traço marcante da chamada cultura pós-moderna, a defesa dos conceitos de direita e esquerda se tornaram obsoletos com a crescente complexidade do sistema político-partidário e, sobretudo, com o próprio desenvolvimento dos sistemas políticos e econômicos da sociedade (SCHEEFFER, 2014).

Diante do exposto, realizou-se este estudo com o objetivo de investigar bibliograficamente o contexto histórico e os aspectos sociais que construíram os conceitos políticos de direita e esquerda a partir da Revolução Francesa.


Contexto histórico inicial

Desde a denominada Revolução Francesa (1789-1815), marcada como o início da Idade Contemporânea, os conceitos de direita e esquerda fazem-se presentes nos debates políticos e ideológicos, sobretudo no mundo ocidental.

No antigo regime monárquico, a distinção entre direita e esquerda, ainda que relevante, não era a mais significativa na topografia simbólica do espaço político. As distinções entre o alto e o baixo, ou entre o próximo e o longínquo, eram ainda mais importantes do que a dicotomia direita/esquerda (LAPONCE, 1981).

Assim, nos Estados Gerais franceses de 1789, o rei ocupa uma plataforma alteada. Todos os outros (membros da família real, ministros, nobreza, clero e, por fim, o povo) estão abaixo do monarca. A distância também é importante: o povo encontra-se mais longe do rei do que o clero e a nobreza. Os ministros e a família real estão mais perto do que os representantes das duas ordens (LAPONCE, 1981; SCHEEFFER, 2014).

Apesar de tudo, era sempre preferível estar à direita do rei do que à sua esquerda. A rainha e as princesas estavam à esquerda, mas os príncipes, os sucessores, estavam à direita. O clero também estava à direita, enquanto que a nobreza se contentava em permanecer à esquerda. O povo estava de um lado e do outro, mas muito mais longe, o que demonstra que distância era ainda mais marcante do que o posicionamento (LAPONCE, 1981).

A origem da dicotomia política moderna reflete a transformação da divisão espacial e simbólica numa divisão ideológica. Quando os Estados Gerais franceses decidem instaurar a Assembleia Nacional Constituinte, os Girondinos, considerados mais moderados e conciliadores, ocupavam o lado direito da Assembleia, enquanto os Jacobinos, mais radicais e exaltados, ocupavam o lado esquerdo, sendo este o fato primordial para a origem da nomenclatura política que categoriza os posicionamentos no interior dos sistemas políticos contemporâneos (BOTO, 1996; SCHEEFFER, 2014).

Vale ressaltar que ambos os grupos pertenciam à burguesia e concordavam em lutar contra o poder absoluto do rei, além de buscarem impor os direitos do homem e do cidadão, porém, com diferenças de interesse e na maneira de alcançar seus objetivos (LAPONCE, 1981).

Os empresários e os grandes comerciantes que integravam a burguesia eram chamados de girondinos, sendo oriundos principalmente de uma região do sul da França chamada Gironde. Estes apresentavam um posicionamento moderado, e consideravam prudente buscar um acordo com a monarquia, limitando o poder do rei, mas sem permitir o direito de voto às camadas mais pobres (LAPONCE, 1981; SCHEEFFER, 2014).

Já os jacobinos tiveram sua alcunha originada dos conventos de padres jacobinos onde se reuniam para discutir seus interesses. Estes assumiam uma postura mais radical e rígida, estando mais bem organizados inicialmente e contando com o apoio da população da Paris (LAPONCE, 1981; SCHEEFFER, 2014).

A maioria dos jacobinos era constituída por profissionais independentes e proprietários de médio porte que almejavam acabar definitivamente com a monarquia e proclamar uma república com direito de voto livre a todos os setores da sociedade (LAPONCE, 1981).

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Abertura dos Estados Gerais em 5 de Maio de 1789. Obra de Isidore-Stanislaus Helman (1743-1806) e Charles Monnet (1732-1808).


Disputas de poder na Revolução Francesa

A burguesia preocupada com as bases doutrinárias de sua Revolução, aprovou em 26 de agosto de 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, dando fim a qualquer dispositivo legal que juridicamente diferenciasse as classes sociais da França. Desta forma, o lema dos revolucionários, amplamente conhecido e difundido pela história da humanidade, foi edificado pelos termos: Liberdade, Igualdade e Fraternidade (CONDORCET, 1989; RIBEIRO, 1989).

Na primeira fase da Assembleia Nacional Constituinte (1789-1792), os girondinos foram vencedores na luta pelo poder, conseguindo edificar uma Constituição que atendia aos seus anseios: uma monarquia parlamentarista, onde os deputados eram escolhidos pelos maiores setores da sociedade, com o povo em geral sem direito ao voto, prezando por uma economia estável e favorável ao livre comércio (RIBEIRO, 1989).

Outrora, com receio de invasões por outras nações europeias durante este período de instabilidade política, os revolucionários formaram um grande exército a fim de proteger a autonomia nacional.

Conforme previsto, em 1792 os impérios austríacos e prussianos invadiram a França, o que motivou o povo a se unir e lutar, organizando assim a Comuna Insurrecional de Paris. Após a vitória, os revolucionários, tomados por um grande sentimento nacionalista, convocaram a Convenção Nacional a fim de finalmente instaurarem uma República definitiva (BOTO, 1996).

Este período foi marcado pela ascensão dos jacobinos ao comando da Revolução. Outrora, antes da Monarquia Parlamentar cair, houve a proclamação da República Girondina com intenção de assegurar os interesses e o poder político do Estado. Todavia, devido as tensões, a burguesia se viu obrigada a tirar todo o poder político de Luís VXI e a Monarquia definitivamente foi extinguida.

Durante a Convenção Nacional, os jacobinos, apoiados pelo sans-culottes (denominação dada pelos aristocratas aos artesãos, trabalhadores, desempregados, mendigos e camponeses), ascenderam ao poder, obtendo domínio nas decisões e aprovando uma série de medidas, com destaque para 22 de setembro de 1792, onde foi decidido que o calendário cristão não seria mais seguido, e sim uma nova forma de calcular o tempo baseada nos ciclos agrícolas.

Em janeiro de 1793, estes decidiram guilhotinar o rei Luís XVI sob a acusação de traição à França, sendo proclamada à República Jacobina. Em 1793, foi promulgada uma nova Constituição, com marco ao voto universal (onde todos os homens maiores de idade poderiam votar), a lei do máximo (onde especificava o valor máximo para salários e preços), a reforma agrária (venda das terras da nobreza e da Igreja, sendo estas divididas em lotes menores e vendidas por um preço acessível à população), a extinção da escravidão dos negros nas colônias francesas, dentre outras resoluções (MACRIDES, 1982; RIBEIRO, 1989; BOTO, 1996).

Em contrapartida, líderes jacobinos acreditavam que para alcançar um governo livre e democrático, era necessário naquele momento governar de forma ditatorial para assegurar as conquistas obtidas e as que ainda estavam por vir com a reforma. Com isso, todos aqueles considerados suspeitos de traição eram mandados à Guilhotina.

Durante este período, denominado como “período de terror”, os líderes girondinos foram amplamente caçados e condenados à morte. Todavia, a forma de governo ditatorial e as matanças desordenadas dos jacobinos fez com que os Girondinos rapidamente articulassem uma retomada ao poder que ficou conhecido como Reação Terminadora.

O novo governo girondino recebeu o nome de Diretório (1795-1799), elaborando uma nova Constituição em 1795, com novas leis que permitissem à burguesia voltar a ter autonomia sobre seus próprios negócios sem se preocupar com o Antigo Regime, além da criação de uma nova moeda (denominada de franco) e aumento considerável do poderio militar, principalmente através da figura do General Napoleão Bonaparte.


Origem da burguesia

A burguesia é uma classe social que surgiu nos últimos séculos da Idade Média (por volta do século XII e XIII) e no início do período Renascentista, a partir do proeminente desenvolvimento das cidades e da sociedade.

O marco inicial para o seu surgimento foram as denominadas Cruzadas, que indiretamente incentivaram a troca de experiências e mercadorias com os povos do oriente, criando novas rotas marítimas e toda uma revolução na economia da época.

Em sua origem, os burgueses eram pobres camponeses habitantes de feudos, e a maioria sequer aspirava enriquecer, sendo deixados de lado pela nobreza e pelo clero. Todavia, com o crescente desenvolvimento do comércio, estes começaram a construir cidades com muralhas em volta, as quais denominaram de burgos (cidades com muros), ganhando a alcunha de burgueses (habitantes de burgos).

Com o passar do tempo, os camponeses que migravam dos falidos feudos aos burgos procurando um novo meio de sobrevivência, iniciaram as denominadas Corporações de Ofício, locais voltados para a produção artesanal de produtos, principalmente têxteis.

Estas corporações de ofício eram administradas e controladas por um mestre artesão, que regulava a produção e manutenção em um padrão (normas e regras) em todas as oficinas de artesãos. Os funcionários ou trabalhadores destas oficinas eram chamados de jornaleiros e geralmente viviam na casa do mestre. Nas oficinas também existiam os aprendizes, jovens que queriam seguir uma profissão relacionada às corporações.

Antes, as cidades não passavam dos limites da muralha e sua população girava em torno de 20 mil habitantes. Entretanto, a acentuação das atividades comerciais transformou bastante suas feições, ampliando-as para além-muros, sendo este crescimento proveniente das feiras e das atividades comerciais realizadas pelos mercadores nas beiras das estradas.

A partir da ampliação das cidades além-muros, criou-se novos muros, com os quais novas cidades foram delineadas, além das que já existiam. Os burgos se desenvolveram economicamente e ampliaram seu tamanho.

Com o tempo, os burgos se transformaram em bancos e começaram a adquirir lucros, sendo que famílias pertencentes à burguesia através das gerações, foram se infiltrando na aristocracia, obtendo poder, criando novos valores e, em pouco tempo, assumindo papel de destaque na política.


Conclusões

A partir das informações coletadas, concluiu-se que a Revolução Francesa foi um marco importantíssimo para a formação da estrutura política contemporânea, podendo inclusive ser apontada como o modelo utilizado por grande parte dos países atuais, principalmente devido as diretrizes, conceitos e ideais que esta pôde deixar como legado.

A Revolução Francesa é com toda certeza um dos assuntos mais abordados pelos historiadores, porém, pode (e deve) ser analisada por diversas perspectivas e abordagens, principalmente associando-a com a evolução ideológica e política contemporânea.


Referências

ANTUNES, M. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura nº 10. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, p. 816, 1992.

BOTO, C. A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa. São Paulo: UNESP, 1996.

CONDORCET. Rapport et projet de décret sur l’organisation générale de l’instruction publique; présentés à l’Assemblée Nationale, au nom du Comité d’Instruction Publique, par Condorcet, Député du Département de Paris. Paris: Imprimerie Nationale, 1793. Enfance, v. 42, n. 4, 1989.

LAPONCE, J. Left and right: the topography of political perceptions. Toronto: University of Toronto Press, 1981. 292p.

MACRIDES, R.C. Ideologias Políticas Contemporâneas. Tradução de Luís Tupy Caldas de Moura e Maria Inês Caldas de Moura. Brasília: Universidade de Brasília, p. 18, 1982.

REIS, C. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura nº 15. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, p. 379, 2000.

RIBEIRO, R.J. História e revolução: A Revolução Francesa e uma nova ideia de história. Revista USP, n. 1, p. 12-18, 1989.

SCHEEFFER, F. Esquerda e direita: velhos e novos temas. In: 38º Encontro Anual da Anpocs, Caxambú, Minas Gerais, Brasil, 2014. 24p.


Autor: Giovanni Paolo Ruffini (Cidadão ítalo-brasileiro, Professor de História, Filosofia e Sociologia)

 
 
 

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